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sábado, 27 de abril de 2019
Bahia tem 3,9 milhões de pessoas cuidando de parentes
Número representa um terço da população com mais de 14 anos; em dois anos, houve alta de mais de 20%.
Em dois anos, a Bahia aparecia em terceiro lugar entre os estados onde o número absoluto de cuidadores mais aumentou, com 719 mil pessoas a mais, atrás de São Paulo e Minas Gerais. Mas, entre 2017 e 2018, o estado pulou para a primeira posição, com crescimento de 187 mil pessoas que abdicaram de suas rotinas para cuidar de parentes.
Há oito anos, a vida de Zerilde Menezes Alvim, 65 anos, mudou completamente. Ela decidiu sair da casa onde morava, nos Barris, em Salvador, e se mudar para a casa da mãe, Erildes, 88 anos, diagnosticada em 2010 com a doença de Alzheimer. Hoje, ela é parte dos 3,9 milhões de baianos com mais de 14 anos que cuidam de parentes - dentro ou fora do domicílio e sem remuneração.
O número, que representa 33% da população baiana acima de 14 anos, foi divulgado nesta sexta-feira (26) como parte da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE. A pesquisa aponta ainda que, de 2017 para 2018, a Bahia foi o estado onde mais cresceu o número de pessoas que cuidam de parentes. Se analisado o período de dois anos - 2016 a 2018 - a alta é de 22,5%.
No início do tratamento da mãe, Zerilde saía do trabalho à noite e ia ajudar a preparar o café e colocá-la para dormir. Mas, com o estado de saúde pior e a doença em um grau mais avançado, ela saiu do trabalho, deixou a própria casa e foi morar com a mãe.
“Os primeiros sintomas começaram em 2009, quando ela guardava dinheiro e não se lembrava onde tinha deixado ou, até mesmo, saía à rua e não sabia voltar para a própria casa. No entanto, apenas em 2010, minha mãe começou o tratamento para a doença”, contou.
A partir de 2014, a situação ficou pior. Dona Erildes caiu e fraturou a coluna e parte da perna, ficando refém de uma cadeira de rodas. Então, além do Alzheimer, que já deixa a pessoa bem dependente, a família precisou lidar com a impossibilidade de locomoção.
“Como meus outros seis irmãos moram distante e têm uma vida mais agitada, eu fiquei responsável por cuidar de minha mãe”, disse Zerilde.
Com a mudança, Zerilde afirmou que o peso maior é ficar mais longe do neto de 7 anos. “Eu tenho quatro filhos que já são casados, mas meu neto, que mora nos Barris, bem perto de minha antiga casa, é minha maior saudade. Com a distância e o tempo curto, eu não tenho podido acompanhar de perto o crescimento dele”, destacou.
Crescimento.
Em dois anos, a Bahia aparecia em terceiro lugar entre os estados onde o número absoluto de cuidadores mais aumentou, com 719 mil pessoas a mais, atrás de São Paulo e Minas Gerais. Mas, entre 2017 e 2018, o estado pulou para a primeira posição, com crescimento de 187 mil pessoas que abdicaram de suas rotinas para cuidar de parentes.
Com o incremento de 5% entre 2017 e 2018, cuidar de parentes foi o tipo de trabalho não remunerado cuja taxa de realização mais cresceu no estado. Para o cálculo, o IBGE considerou pessoas acima de 14 anos que precisaram cuidar, dentro ou fora da própria residência, de familiares com algum tipo de doença.
Foi o caso de Zerilde Alvim e, também, da aposentada Rita Maria Oliva, 67. Ela, atualmente, é a responsável pelos cuidados da mãe Leacy Alves, 92. No caso de Rita, como já era aposentada há seis anos, decidiu se dedicar aos cuidados da mãe idosa.
“Não temos condições de custear um cuidador profissional e, nessa idade, são muitas idas a médicos. Por isso, toda a minha rotina já não é mais minha, mas, sim, de minha mãe”, disse Rita.
A aposentada também destacou que a mãe não apresenta nenhum problema de saúde e os cuidados se restringem aos riscos e debilidades da própria idade. “Graças a Deus, ela é lúcida e até faz caminhadas comigo. Quando eu preciso ir resolver alguma coisa minha na rua, eu peço a uma vizinha que fique com ela. Mas, faço tudo muito rápido, em minutos”, ressaltou.
Tanto Zerilde quanto Rita fazem parte do grupo de quase 2,5 milhões de mulheres que, em 2018, dedicaram a vida aos cuidados de parentes, o que representa quase 63% dos cuidadores. Em 2017, o contingente feminino foi quase o mesmo - 2,42 milhões ou 65% do total - e, em 2016, foram 2,1 milhões de mulheres que abdicaram da vida para cuidar de familiares, o que equivale a 65,6% do grupo.
O IBGE apontou que, em 2018, 4 em cada 10 baianas de 14 anos ou mais de idade (39,6%) cuidavam de pessoas da família, enquanto entre os homens a proporção era menor: 25,7%, ou 1 em cada 4. No entanto, segundo o instituto, apesar de as mulheres continuarem sendo as que mais abrem mão da própria rotina e vida em detrimento de algum familiar, a porcentagem de homens cuidadores aumentou nos últimos anos.
Os dados da PNAD Contínua mostram que, entre 2017 e 2018, o percentual de pessoas que cuidam de parentes aumentou mais entre homens (de 23,3% para 25,7%), pessoas de cor branca (de 26,8 % para 30,8%), que tinham nível superior completo (de 28,0% para 37,5%), entre os que trabalhavam (de 32,6% para 34,3%) e os que eram apontadas como responsáveis pelos domicílios em que viviam (de 31,8% para 33,7%).
Cuidados
Mas, abdicar da própria rotina e se dedicar exclusivamente ao cuidado de um parente pode trazer consequências sérias à vida de uma pessoa. No caso de Zerilde, a dor maior é causada pela saudade do neto, uma vez que ela conta com a ajuda de Rosália, que trabalha na casa da mãe dela há 25 anos.
“Ela é meu anjo da guarda. Quando preciso me distrair ou ir à aula de pilates, sei que minha mãe está bem cuidada”, contou. O problema maior é que a doença de Alzheimer da mãe de Zerilde já está em um estágio avançado. “Ela só me reconhece. Nem a meus irmãos ou a própria casa. E, tem vezes, que fica agressiva e quer ir para casa - que, para ela, como lembrança, é o local onde cresceu, na casa de minha avó”, disse.
Essas situações exigem um cuidado muito grande, como explicou a psicóloga hospitalar Ivana Guerra.
“É muito importante que as pessoas que cuidam de idosos ou parentes doentes reservem um tempo para si, porque essa é uma atividade muito desgastante.O cuidador estar bem é fundamental também para a saúde do doente”, avaliou.
Especificamente sobre a doença de Alzheimer, que atinge pacientes prioritariamente idosos, um estudo realizado, em 2018, pela Faculdade de Medicina da USP, em Ribeirão Preto, mostrou que cuidadores e familiares de pessoas com esse diagnóstico apresentam sintomas de ansiedade e têm cinco vezes mais chance de terem depressão.
Mas, os cuidados de parentes doentes, sejam filhos, marido, pais, podem trazer riscos à saúde de quem abre mão da própria vida em detrimento da preocupação com o outro. “Além de colocar em risco a vida de uma pessoa querida, uma doença produz mudanças na rotina e altera a dinâmica e o humor da família toda”, disse Ivana.
A psicóloga hospitalar afirmou que, quando são os mais velhos que adoecem, como aconteceu com as mães de Zerilde e Rita, é provável que haja uma inversão de papeis e os pais passem a figurar como dependentes dos filhos. “As limitações roubam a autonomia deles e exigem que alguém assuma a figura de cuidador, o que, em algumas famílias, se resolve contratando enfermeiros, enquanto, em outras, responsabilizando um parente”, destacou Ivana.
“O tratamento da doença é muito caro e eu não sei como as pessoas que não têm dinheiro conseguem cuidar do parente. No meu caso, meus irmãos ajudam nas despesas de plano de saúde e remédios, porque depender da rede pública é perder a esperanças de uma vida melhor para minha mãe”, disse Zerilde.
A rede pública, atualmente, fornece apenas os medicamentos necessários ao tratamento de Alzheimer, por exemplo, mas, não há custeio de profissionais que possam atuar como cuidadores dos pacientes diagnosticados. Outra questão apontada pela psicóloga hospitalar é quanto ao tempo diário dedicado pelo cuidador ao parente debilitado. “A pessoa não pode se privar de tudo, muito menos se culpar quando precisar de um momento de solidão, para respirar”.
A recomendação da profissional é que o cuidado não recaia 100% sobre um parente, apenas, mas, que haja a divisão de tarefas, quando possível. “Se for uma mãe doente, que tem mais de um filho, que todos se unam a dividam as atividades e o tempo de cuidado, mesmo que apenas um resida na mesma casa da paciente ou idosa”, disse.
Envelhecimento e crise
Para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), “o envelhecimento da população baiana e a crise econômica enfrentada pelo país, certamente estão entre os principais fatores que levaram ao aumento no número de cuidadores de parentes”.
Os baianos estão vivendo mais. Com previsão, na verdade, de viver mais ainda. Segundo o órgão federal, o número de idosos na Bahia (pessoas com 60 anos ou mais de idade) aumentou 13,8%, passando de 1.773.391 em 2012 para 2.017.717 no ano de 2017, o que representou mais 244.326 idosos em cinco anos.
A estimativa do IBGE é que o estado tenha um envelhecimento mais acelerado que a média nacional. Até 2060, a população baiana de idosos deve mais que duplicar, chegando a quase 4,8 milhões de pessoas. Ou seja, caso esta projeção se confirme, pouco mais de 1 em cada três pessoas no estado será idosa: 34,5% da população da Bahia terá 60 anos ou mais de idade.
A psicóloga hospitalar Ivana Guerra explicou que, quanto maior o número de idosos, maiores as chances do crescimento da população de cuidadores, uma vez que é cientificamente comprovado que pessoas acima dos 60 são mais suscetíveis a problemas de saúde, principalmente doenças que causam dependência.
Mas, não só por isso a quantidade de cuidadores não remunerados tem crescido. A crise econômica levou à necessidade de redução dos gastos mensais na maioria dos lares brasileiros e, na Bahia, não foi diferente. De acordo com a Agência Nacional de Saúde, nos últimos cinco anos, o Brasil teve queda de 6% nos contratos com operadoras de saúde privadas.
Na Bahia não foi diferente. Segundo o sistema (Tabnet) da ANS, os beneficiários de planos de saúde saíram de quase 1,7 milhões, em 2014, para cerca de 1,6 milhões, em 2018. Isso significa que, nos últimos cinco anos, houve variação negativa de 4,3% no total de contratos firmados com empresas de planos particulares. “A gente só consegue manter as consultas dela em dia, que são mensais, graças à contribuição de outros familiares, porque os custos são muito altos”, contou Zerilde.
Este ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) manteve o adicional de 25% à aposentadoria de quem precisa de cuidadores.
Profissão
Os dados divulgados nesta sexta-feira (26) pelo IBGE, quanto ao aumento no número de cuidadores de parentes doentes ou idosos na Bahia, diz respeito a atividade não remunerada. No entanto, ser cuidador é uma atividade que pode ser aprendida por meio de cursos capacitantes.
Com o crescimento da população idosa, muitos cursos começaram a surgir com o nome de “cuidador de idoso”, apesar de ensinarem como suprir as necessidades não só da população acima de 60 anos, como, também, de toda a qualquer pessoa com debilidade física ou mental.
A professora especializada em formação pedagógica na área de saúde, Cristina Domingos de Oliveira, explicou que esses cursos ensinam, “desde coisas primordiais, como aferir pressão, trocar fraldas, prevenir acidentes, como, também, aspectos relacionados ao cuidado psicológico e até jurídico dos dependentes”.
Apesar dos cursos, Cristina afirmou que, se a pessoa pensa em enriquecer na profissão, é melhor não criar expectativas. “Os valores pagos variam entre R$ 50 a R$ 70 por dia de serviço prestado. Para ser um cuidador, a primeira coisa que precisa-se ter é o amor pelo ato de cuidar. É um trabalho árduo, mas para quem gosta, a recompensa é fazer com que a pessoa cuidada sinta-se melhor”, disse.
Fonte: Correio da Bahia
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