sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

DROGAS: O SENTIMENTO DOS USUÁRIOS.


DROGAS: O SENTIMENTO DOS USUÁRIOS.
Ele chegou dizendo que era vitima do Satanás. Mostrou como na noite passada tinha usado a “neve” – cocaína pura. Reproduz a forma como utiliza. Disse que desde os 14 anos se iniciou no mundo das drogas. Cola, maconha,álcool. O rosto é sofrido apesar dos 21 anos. Tem dificuldade de se expressar. Não consegue me encarar, olhar nos olhos. Tem vergonha dele. Mas ao mesmo tempo, expressa poder. Diz que conhece de tudo. Entrou no mundo do crime, entrou no mundo das drogas, do sexo, já não sabe o que acontece com ele quando entra nas rodas de drogas. Refere-se mais uma vez a Satanás: ele é o culpado ! Mas me procurou porque quer renascer. Tem 21 anos e me pede para que o ajude a deixar este elenco de hábitos, esta mistura mortal de álcool e drogas. Em sua fala, há sentimento de culpa. O rosto envelhecido. Olha para os lados,pisca os olhos, se ajeita na cadeira, mostra que esta inquieto e quer que a entrevista se acabe. De novo repete: “quero deixar o mundo do crime”. Pergunto a que crime se refere. Aumenta a ansiedade. Ele transpira, passa a mão no rosto, desconversa. Que crime? Disfarça. Responde. O uso de drogas, de todas as drogas. Acredito. Digo que acredito. O que leva ele a sentir-se assim ? Disse que deseja os objetos das pessoas, que não pode ver algo que desperte sua atenção porque deseja para ele.Gostaria de ter tudo que os outros tem. Dinheiro, poder, carro, moto. Tem boa aparência e consegue estar vivendo agora com outros homens, provavelmente mais velho.
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Conta que gosta de uma menina mas que ela o rejeita. Por isto usa mais droga.E em que lugar usa? Compra com que dinheiro ? Me responde que usa com os amigos, dentro do carro. Cheiram a neve ali mesmo e depois já não tem noção do que acontece.
Mas, Satanás é o culpado. Ele quer sair desta vida. Ele engana a mãe. O pai evaporou. Ele não mora mais com a família, não fez o segundo grau. Está bem vestido, cabelo bem cortado, tatuagem. Olho e vejo que é bonito.
Mas está visivelmente perturbado, já não diz coisa com coisa. O raciocínio começa a falhar.
A memória também. Demonstra uma certa agressividade.Começa a achar que corre o risco de ser entregue a polícia. Pergunto se já foi traficante. Ele responde: “já cometi todos os crimes mas não trafiquei. Compro com o meu dinheiro a droga que uso” – diz ele. Pergunto se a neve é cara. Responde que sim, que é da melhor.Vejo que olha sem parar para a minha bolsa e para o meu celular. Já não presta atenção em mais nada. Está com os olhos fixos nos objetos. Não sei se tenho medo dele ou se tenho piedade dele. Não retiro os objetos do lugar. Sei que tenho chances de ser atacada. Mas não demonstro pavor. Aquele garoto de 21 anos esta angustiado. Pergunta o que está fazendo ali. Me disse que na véspera misturou todo o tipo de bebida. Fala de sua sonolência. Pergunto se quer ir embora. Ele pergunta o que farei por ele e com ele.
Pretendo encaminhá-lo para uma instituição mais adequada que a nossa. Mas, peço que procure a família e que a mãe dele venha conversar comigo. Consegui que ele partisse com alguma serenidade da entrevista. Mas eu perdi a serenidade. A semana passada outro jovem estava entregue ao crack, que a parte pior da cocaína, o refugo, caminho certeiro da morte. Estava magro, bem magro, sem sintonia. A mãe aflita me pedia o milagre. Trazer o filho de volta para a vida. Penso em renascimento, penso em passagem, penso na Páscoa, na celebração da vida. Penso nesses jovens. Todos seguiram o mesmo caminho. Álcool, cola,maconha, cocaína, crack, êxtase.
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O nosso Programa para Adolescentes Infratores- PAI , (o nome não é irônico –pode ser uma frágil perspectiva de substituição) não tem condição de atendera demanda.
A droga está em toda esquina, disseminada em toda a sociedade. Os jovens ricos usam por opção mas sofrem igualmente. Chegam a agredir a família pois é questão de vida e morte ter dinheiro para comprar. Roubam, ameaçam. Um me disse: “quero ser trancado em casa; não quero sair para comprar”. Pergunto sobre a crise de abstinência, se sabe como será. Pergunto a família se já testemunharam alguma crise de abstinência de drogas.
São sempre as mesmas colocações. Sempre uma mãe que chora, geralmente sempre um pai mais ausente. E tem gente que diz que a droga não vicia. Gente que já teve experiência e saiu ileso. Então, acredita que qualquer outra pessoa poderá repetir o feito de sair ileso. E haja estímulo. Alguns acreditam que é fase, que logo será superada, que não há razão para desespero. Experiências de adolescentes. A geração de 70 usou. A geração de 80 usou. Todos se safaram. Todos ?Com o advento da AIDS e o reconhecimento público do nível de disseminaçãodas drogas, o que antes era paz e amor, a mistura de sexo e drogas,tornou-se combinação mortal.
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As campanhas nunca mostraram de fato uma crise de abstinência. Nunca mostraram alguém estremecendo, revirando os olhos, amarrado, em desespero. As campanhas apresentando jovens fechando portas para a droga como seestivessem fechando portas para envolvimentos afetivos. As drogas são mais poderosas que os envolvimentos afetivos, do que a hierarquia familiar.
Então, refletir é muito bom. O que fazer se, nesse momento, próximo a nossa casa alguém está usando, está comprando ou vendendo ? Os sistemas de compra ultrapassam a capacidade estratégica de qualquer sistema de marketing
Você usa? Seu marido usa ? Seu filho ou filha usam ? Seus amigos usam ? Você já parou para pensar nisto ou prefere manter-se distante da questão ? As drogas são violentas da mesma forma que a sociedade é violenta e parceira do uso. O meu desejo é que ao abrir a questão em torno dos que estão próximos, mantendo-nos disponíveis ao diálogo, possamos ser mais visíveis uns aos outros. A postura de achar que o nosso melhor amigo não usa, que nossohipócrita.
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Estamos no século XXI. Não viva como se estivesse no século passado,fingindo que estamos sempre arrodeados de boas ovelhas. Apenas decifre sequem está do seu lado é usuário, traficante, ex-usuário, curioso oucontrário às drogas.
Retirar esta conversa da roda é empurrar muitos dos que vivemos para as rodas da neve, crack, maconha e álcool , entre tantas e tantas categorias. Pense nisto.
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Vera Mattos é psicanalista/Jornalista e presidente da Fundação Maria LúciaJaqueira de Mattos.E-mail : fundacaojaqueira@yahoo.com.br

DOR DE MULHER É UMA SÓ. É UMA DOR COMPARTILHADA.


DOR DE MULHER É UMA SÓ. É UMA DOR COMPARTILHADA.

A situação da mulher mudou de fato? Estaremos sempre destinadas a desenvolvermos tarefas árduas , termos dupla jornada, e ainda devemos fazer uma cara de felicidade, de que está tudo muito bem para garantirmos a nossa condição feminina?Todos os dias na Fundação Maria Lúcia Jaqueira de Mattos recebo mulheres de todos os níveis e condições sociais. O sofrimento é uma constante. Algumas por terem sido vitimas de abuso sexual de estranhos, outras por terem sido vitimas de violência sexual do pai, do irmão, do padrasto, do parente.São mulheres de todas as idades. São crianças, adolescentes, mulheres adultas das mais diversas faixas etárias. Algumas sofrem por ter sido violentadas sem a menor possibilidade de denúncia mesmo diante das famílias porque temem ser postas para fora de casa; outras dão queixa na delegacia das mulheres e retiram por medo da vingança do agressor. Todas acabam sofrendo de diversos distúrbios e transtornos mentais. Passam a ter nojo delas mesmo, têm medo de tentar de novo, desconfiam dos homens, não acreditam em mais nada. Buscam na terapia uma chance de reviver.Em outros momentos chegam mulheres carregando filhos doentes nos braços e raros são os homens que as acompanham. Elas carregam os filhos com a esperança de que eles se recuperem e os profissionais da Fundação sabem que nem todas as patologias têm cura nem a longo prazo. Mas elas insistem no tratamento. Tomam ônibus, chegam ofegantes para o tratamento. Quantas precisariam de transporte especial, de cadeiras de roda, de alimentação, pois não podem trabalhar fora de casa porque não teriam quem cuidasse de seus filhos.E onde estão estes homens que violentam e abusam sexualmente, ameaçam suas vitimas, transgridem todas as normas? E onde estão estes pais que não sabem que um filho doente é fruto de duas pessoas? Onde está este homem responsável do século XXI capaz de ser companheiro e de respeitar cada mulher?É esta a minha reflexão: enquanto houver uma mulher violentada, de qualquer cor e raça, estaremos todas sendo violentadas. Onde houver uma mulher sofrendo em razão da paternidade irresponsável, estaremos todas sofrendo. Porque dor de mulher é uma só. É uma dor de parto, é uma dor de um útero universal.A Fundação Maria Lúcia Jaqueira de Mattos confia nas ações desenvolvidas pelo Ministério Público, mas, ao mesmo tempo, roga pela agilidade dos processos.E, principalmente, que haja uma reeducação masculina, que haja uma nova proposta comportamental que revolucione a sociedade no sentido de que não basta manter uma elite feminina devidamente adequada a este tempo. Nós mulheres somente teremos o que comemorar quando os avanços que alcançarmos forem compartilhados com todas as outras.

Vera Mattos(Jornalista / Psicanalista)

CRIANÇA TEM QUE SOFRER?


CRIANÇA TEM QUE SOFRER ?
Esta é a pergunta que faço todos os dias. Pergunto a mim mesma, pergunto aos amigos, companheiros de luta, aos militantes de inúmeras causas. Criança tem que sofrer ? Claro que ninguém responde que sim, que criança deve sofrer por ser apenas o inicio da viagem do ser humano , por si só solitária , em sua eterna busca. Mas existem sofrimentos que me incomodam bastante pois que me sinto com a culpa do mundo, embora compreenda plenamente que o mundo é grande e afinal eu sou apenas uma partícula deste processo que envolve vida e morte. Tenho portanto todas as limitações e me destituo de arrogância para envolver a relação culpa e poder. De fato somos todos culpados. Ou seremos adultos inocentes e portanto pacificados frente as responsabilidades pessoais e coletivas. Cada qual que se encaixe e busque seu dilema. O meu mais imediato impulso é desejar entender porque os pacientes em déficit mental são tão discriminados.
Vejamos este caso: uma criança que apresenta TDAH – Transtorno Déficit Atenção Humana com hiperatividade e/ou desatenção exige extremamente da família. Geralmente, um dos pais abdica da vida profissional para cuidar do filho. E começa a peregrinação para chegar-se a um diagnostico e a um tratamento. Em outras ocasiões a família se desfaz , a família não suporta o peso, fica com a criança o mais corajoso, o que deixa prevalecer o amor. Mas em sociedade onde o capitalismo selvagem impera, somente amor não basta, é preciso dinheiro, muito dinheiro para dar conta de tantas exigências.
Como o tratamento deve ser plural, interdisciplinar, fica impossível para as famílias de baixa renda, e de classe média, se é que isso ainda existe, comprometer parte do tratamento. Na nossa Constituição esta previsto que Saúde é dever do Estado propiciar, garantir, assegurar. Também esta dito que Educação e Segurança são deveres do Estado. Cresci acreditando na utopia de ver uma sociedade igualitária. Cada vez estou vendo o outro extremo. E não participo disto à distancia não, vejo no batente diário. Falávamos de crianças e sofrimento. Volto a isto. Uma das crianças assistidas pela Fundação Maria Lúcia Jaqueira de Mattos não encontrou qualquer possibilidade de atendimento odontológico por ser portador de déficit mental. Não encontrou qualquer unidade hospitalar que o aceitasse. Em situação de extremo abandono odontológico pode-se inicialmente culpar a família ; em seguida, poderemos dizer que os profissionais que o viram poderiam ter feito um encaminhamento para uma unidade hospitalar capacitada antes que as conseqüências fossem maiores; verifique-se as condições do município que ele vive que nada oferece e faz parte deste paraíso chamado Bahia.
Quando chegou a Salvador, já com os dentes em estágio avançado de caries, com dores violentas causadas pela exposição das partes mais sensíveis, já não podia beber água nem comer. O resultado foi a desidratação, a desnutrição e a dor. Peregrinamos por aqui também. Ele agora esta internado, mas não para tratar os dentes e sim de uma infecção generalizada. Quando termino de escrever este cotidiano tenho dúvidas quanto as possibilidades de sobrevivência. Mas estou torcendo por um final feliz. Afinal, aqui no Brasil parece que estamos destinados a sermos torcedores de uma Pátria amada, idolatrada mas desrespeitada diariamente pelas ações de todos, diretamente ou indiretamente envolvidos nas questões que envolvem a sociedade. Chegamos em um momento em que as organizações não governamentais tem mais confiabilidade que qualquer organização publica. Que a boa vontade do cidadão e mais forte do que as exigências legais. O voluntariado deve prevalecer, somar para encontrar soluções, saídas, caminhos, e sobretudo não se deixar vencer pelo pessimismo de muito e do otimismo e riso cínico dos guardiães do capitalismo._____________________________________Vera Mattos - Jornalista/Psicanalista. Presidente da Fundação Maria Lúcia Jaqueira de Mattos. Artigo publicado na Tribuna da Bahia. e-mail: fundacaojaqueira@yahoo.com.br

Os pedófilos sentem que tem controle sobre as crianças. Saiba mais.


QUE É PEDOFILIA?
Distúrbio de conduta sexual, onde o indivíduo adulto sente desejo compulsivo, de caráter homossexual (quando envolve meninos) ou héterossexual (quando envolve meninas), por crianças ou pré-adolescentes.

Este distúrbio ocorre na maioria dos casos em homens de personalidade tímida, que se sentem impotentes e incapazes de obter satisfação sexual com mulheres adultas.

Muitos casos são de homens casados, insatisfeitos sexualmente. Geralmente são portadores de distúrbios emocionais que dificultam um relacionamento sexual saudável com suas esposas.

O portador de Pedofilia se sente seguro na ação sexual e no controle da situação diante da criança. A maioria dos casos constatados envolviam homens em média 15 anos mais velhos que sua vítima.

Em populações de baixa renda, a ocorrência, quase sempre, vem acompanhada do uso de bebidas alcoólicas. Grande parte dos casos são de contatos incestuosos. (envolvendo filhos ou parentes próximos.)

Na maioria dos casos a criança submetida a estes atos fica calada, pois teme a represália do adulto.

A maioria dos casos é descoberta por outro indivíduo adulto,que fica sem saber como lidar com a situação. Se você, adulto, se enquadra na posição do "descobridor", procure um profissional para orientação. Assim você estará ajudando a criança e o portador do distúrbio de conduta.

Em 100% dos casos, as crianças molestadas sexualmente sofrem de dificuldades sexuais ou emocionais na vida adulta.

Autor : José Roberto Paiva
Psicanalista - Sexologista
Diretor do PROSex. Programa de Reabilitação e Orientação Sexual
Publicado em 06/03/99

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

VENTOS DE CAPRICÓRNIO.A INTEGRAÇÃO BIOCEÂNICA.

VENTOS DE CAPRICÓRNIO
A integração bioceânica

Capricórnio representa uma verdadeira metáfora do Século XXI para nossa região. No passado, os ventos circulares do Trópico, do sistema anticiclônico de Capricórnio, foram a engrenagem oculta do Atlântico Sul e o motor do comércio colonial. O Trópico atravessa literalmente o coração do nosso Continente e indica as maiores reservas subterrâneas de água doce do Mundo, a oriente o Aquífero Guarani e a oeste os lagos que se escondem sob o Deserto de Atacama. Já sobre a terra, divide as regiões hidrográficas mais importantes do hemisfério e assinala as jazidas de gás e petróleo do Alto Bermejo e de lítio do Salar de Uyuni.

Hoje, o Trópico de Capricórnio enriquece este imaginário de integração física ao identificar em seus extremos os portos mais emblemáticos de cada costa. No Atlântico, Sepetiba se situa no sudeste do Estado do Rio de Janeiro, por onde circulam mais de 70% do PIB do Brasil. Pelo poente, o futuro mega-porto chileno de Mejillones promete ser um centro vital de exportações regionais até importantes países banhados pelo Pacífico. Entre ambos se instala um grande desafio que vai muito além de se construir um eixo articulador dos dois grandes blocos econômicos regionais: integrar um sistema de cooperação entre as economias regionais do Mercosul, criando uma imensa cadeia de serviços e comércio intermunicipal.

As cidades-porto do litoral chileno e peruano são as portas naturais que se abrem no Oceano Pacífico - o caminho mais curto até a Austrália, China e Índia, para citar apenas três gigantes - para a Bolívia e o Brasil, mas também para o Paraguai e a Argentina, pela posição física no mapa, e deverão associar-se em um "complexo portuário" que facilite uma estratégia exportadora adequada.
As cidades de Iquique e Arica ficam ali pelo paralelo 20, onde também, no Brasil, está Vitória - pouco mais abaixo, Rio de Janeiro e Santos - fortes áreas portuárias, portais para o Atlântico, leia-se África e Europa. Além das questões físicas, há expressivos fatores históricos que ligam as duas pontas da futura mega-estrutura de transportes que, completada, viabilizará projetos há muito guardados em gavetas e computadores.

A linha do paralelo 20 faz um corte histórico-geográfico no Brasil, Chile e Bolívia, passando por uma pontinha do Paraguai. Partindo-se do Chile, já na Bolívia, está Potosi, de onde foi retirada a prata para financiar a revolução industrial na Europa.
Pelo lado brasileiro, em distância equivalente, está Ouro Preto, de onde saiu muito ouro para o mesmo propósito. Santa Cruz de la Sierra, Cochabamba e Oruro, na Bolívia, são outras grandes cidades do corredor que voltou fortemente ao noticiário no final do ano passado.
No Brasil, a rota direta passa por Belo Horizonte e Campo Grande, cidades de importância política e econômica relativamente equivalentes às bolivianas citadas. Interesses em comum entre elas e muitas outras poderão ser complementados com operações intermunicipais, internacionais ou não, de todos os tipos.
Por outro lado, pouco ou nada se comenta a respeito do modelo de negócios, que deverá incluir todos os atores institucionais, sociais e econômicos envolvidos nas atividades produtivas e comerciais associadas ao processo exportador.

Estamos tratando de um complexo rodo-ferroviário-fluvial que inclui os diversos corredores transversais que se complementam e não de uma estrada em linha reta. Porém, a partir da constatação geográfica e do objetivo econômico, cabe à sociedade colaborar com os governos na busca da integração de fato - como está acontecendo em outras regiões do Mundo que a cada dia melhor se preparam para os embates da globalização.

Uma sugestão que já vem sendo amadurecida há quase 20 anos pelo SIMAAS (Sistema de Integração Municipal América Área Sul) é a de que as cidades que fiquem sobre ou mais próximas dos trajetos destes corredores do complexo de transporte internacional passem também a sentirem-se envolvidas com o tema a partir da programação de eventos de todas as espécies que ajudem no seu entrosamento. Que tal um festival de música ou um campeonato de futebol entre elas, só para começar?

Além disto, não há, neste Século 21, como se conceber uma ligação física desta magnitude sem seu equivalente virtual. Uma rede deve ser formada para permitir um verdadeiro sistema de intercâmbio e compensação de bens e serviços - mecanismos de trocas em todas as escalas, de tudo o que for possível ser trocado, de informações a objetos - que mobilize o capital social de cada comunidade.

Existe um instrumento moderno e eficiente, porém pouco utilizado que, pelas ferramentas adequadas que contém, pode facilitar toda a tarefa: a Agenda 21. É mister a implantação de uma Agenda 21 Local específica para a região, com base nos preceitos da Carta da Terra e dos Objetivos do Milênio (ONU) para que se assegure o caráter de sustentabilidade do processo.

No Brasil, em Niterói (RJ), em 5 de dezembro passado (não por acaso Dia Mundial do Voluntariado), com participação direta de municípios, universidades, empresas, organizações governamentais e não-governamentais, por iniciativa do SIMAAS, foi inaugurado o processo de formalização da ACTA 21-Agência de Cooperação Territórios e Agenda 21, que será instalada, com sede na Universidade Federal Fluminense, em 5 de junho de 2008 (não por acaso Dia Mundial do Meio Ambiente).

A proximidade do bicentenário da emancipação americana propõe um marco excepcional de "encontro" entre nossos Povos Irmãos e a oportunidade para se recuperar o verdadeiro espírito daqueles acontecimentos históricos que comoveram o mundo ocidental há duzentos anos. Esta perspectiva nos permite repensar nosso Continente desde suas entranhas e orientar a construção de um verdadeiro paradigma civilizatório, da mesma forma como o fizeram, desde estas mesmas latitudes, os pais da nossa história contemporânea.

Convidamos tod@s os que quiserem co-laborar neste processo a participarem dos esforços para a integração de fato dos povos da América Latina.

* Fernando Guida (Presidente da Assembléia Constituinte da ACTA21).
* Alejandro Ratti (Diretor da Unidade de Gestão Contínua-UGC, do SIMAAS) e
* Jonas Rabinovitch (ONU-Conselheiro de Governança Econômico-Social)

domingo, 13 de janeiro de 2008

O QUE QUER UMA MULHER?A VISITA DE ANA BRUNI A SALVADOR.


A assinatura do Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher contou em Salvador com a presença de centenas de mulheres. Em meio a muitas autoridades, o evento se destacou mesmo pela presença das mulheres vitimas. A Fundação Jaqueira convidou Ana Bruni, cuja luta tornou-se conhecida pela internet, e principalmente pela ampla divulgação do site território mulher que relata a busca desesperada de uma mulher que tem sede de justiça.
Ana Bruni esteve com toda a equipe da Fundação Jaqueira.Na Seplan, foi apresentada a lideranças femininas e feministas de qualidade. Como eu já havia entrevista e publicado, tinha como certeza que ela deveria trazer os problemas que enfrenta em Itacaré, Bahia, para o grupo de trabalho de Salvador.
E minha certeza tornou-se convicção: a companheira que chegava de Itacaré, Bahia, é uma mulher elegante, bonita,distinta. Carioca de classe média alta, excelente formação familiar e social. Poderia ter desistido de tudo e voltado para o Rio de Janeiro. Mas resolveu permanecer e ser um grito de alerta.
Mas corre risco de morrer.
Ela que criou a maior comunidade sobre a Lei Maria da Penha no orkut, não consegue um avanço em seu caso. Não consegue absolutamente nada, a não ser conselhos para sair da cidade em que vive, em que investiu dinheiro, cidade onde trabalha honestamente.
Que País é este? Eu fico me perguntando todos os dias. Militantes e ativistas olham uma para as outras dentro de um contexto de perplexidade. Como já disse e escrevi antes, as ameaças que sofro tem como origem rede de pedófilos e de ex-maridos que se revoltam com os meus laudos e minhas orientações para que sejam denunciados. Então, eles buscam "laranjas" para brincarem comigo. Mas, eu sou a gata e eles os ratos.
Eu procuro me unir a gente decente e digna.Sobre o meu trabalho, a Bahia e o Brasil sabem.Não digo isto com orgulho. Acho que sempre que temos que interferir por alguém, berrar, clamar por justiça, é porque o nosso Brasil sofre da estranha síndrome masculina da agressão à mulher.
Mas quero voltar a Ana Bruni, a nossa Território Mulher. Ela ficou em Itacaré e tentou procurar as autoridades locais. A história toda está no site, com direito inclusive a repercussão nacional em colunas de grande prestígio sobre a prática de tortura na Bahia.
Como Itacaré não lhe prestou solidariedade e nem lhe deu atenção através das autoridades, resolvi então convidá-la. Venha a Salvador. E ela chegou com um jeito meio desconfiado de que talvez também não fosse prestigiada aqui.
No entanto, as principais lideranças femininas estiveram com ela. Representantes das secretarias estaduais, deputadas, a prefeita Moema Gramacho, a presidente da comissão de mulheres da OAB/BA, as representantes da FCCV - Fórum Comunitário de Combate ao Crime e a Violência.
Se ficasse mais, Ana teria mais encontros e uma agenda maior a cumprir. Iríamos por exemplo ao Núcleo de Justiça e Direitos Humanos, ao encontro da companheira Mônica Bittencourt. Iríamos ao encontro da companheira Isabel Alice da Delegacia Especial de Atendimento a Mulher.
Este recado público é para você, companheira Ana Bruni. Você esteve aqui e foi acompanhada pela direção da Fundação Jaqueira. De maluca você não tem nada. Que diga a nossa Tania Gomes, diretora de Saúde Mental da nossa Fundação.
O sentimento que fica é que as cidades querem se libertar das mulheres independentes.Se isto incomoda nas capitais, o que se poderá dizer do interior do Estado, onde prevalece a força e o machismo.
É uma pena que Itacaré não tenha capacidade para aproveitar o potencial desta mulher que chegou do Rio de Janeiro e apaixonou-se pelo local e lá montou uma pousada, deixando para trás uma vida cheia de glamour. Hoje procura ajudar centenas de mulheres na mesma situação ou em pior situação.
Aos mandatários de Itacaré eu irei dar uma péssima notícia: Ana Bruni não está sozinha. Saiu do virtual para o real. Estamos organizando em Salvador uma comissão de mulheres para verificarmos o que acontece por aí.
Quem tiver coragem responda: será que Ana Bruni, brasileira, carioca, é a única mulher agredida neste local paradisíaco? Por favor, respondam por que no mínimo é intrigante.
Ana Bruni você chegou em Salvador e aí agora passa a representar o nosso movimento de mulheres. E nós vamos aprender o caminho para Itacaré. Quem sabe não encontraremos outra vítima.

Vera Mattos
Jornalista