terça-feira, 20 de abril de 2010

Declaração de Salvador pede reforma da justiça criminal para proteger os direitos humanos, a segurança e o desenvolvimento;


Vera Mattos e John Sandage (ONU)



19 de abril de 2010 - O 12º Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção ao Crime e Justiça Criminal encerrou suas atividades em Salvador, Brasil, com a adoção de uma Declaração que exorta os Estados-membros a adaptar seus sistemas de justiça criminal para um mundo em transformação. O Congresso, que é realizado a cada cinco anos, ocorreu entre 12 e 19 de abril. Participaram delegados de mais de 100 países, assim como membros de organismos internacionais e regionais, além de organizações não-governamentais. Além dos encontros políticos e das sessões de discussão, várias reuniões paralelas foram realizadas, cobrindo uma ampla gama de questões relacionadas à justiça criminal.

"O legado de Salvador é que, se não houver cooperação jurídica internacional em todas as frentes, o mundo não vai conseguir oferecer mais segurança e justiça para suas populações", disse Romeu Tuma Júnior, Secretário Nacional de Justiça do Brasil, "Espero efetivamente que, a partir de Salvador, as ações possam sair do discurso para a prática".

Na Declaração de Salvador, os Estados-membros destacaram a necessidade de se respeitar e de se proteger os direitos humanos na prevenção ao crime e na administração da justiça criminal. "Como seres humanos, assim como membros da comunidade das nações civilizadas, nós partilhamos a responsabilidade de inserir os direitos humanos no coração do sistema judiciário", disse o Diretor Executivo do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), Antonio Maria Costa.

O Congresso observou o impacto do crime na segurança e no bem estar da sociedade. "Não há como haver segurança ou desenvolvimento sem justiça", afirmou Costa. "A prevenção ao crime e a justiça criminal não têm um fim em si mesmo: elas podem gerar sociedades mais ricas e seguras", disse.

Os Estados-membros declararam que estão "muito preocupados com o impacto negativo do crime organizado em relação aos direitos humanos, ao Estado de Direito, à segurança e ao desenvolvimento, assim como com a sofisticação, a diversidade e os aspectos transnacionais do crime organizado e sua relação com outras atividades criminosas e, em alguns casos, terroristas". "O crime organizado tornou-se um negócio com dimensões macroeconômicas comparáveis à renda nacional de muitos países e ao volume de negócios das maiores corporações do mundo", sinalizou Costa.

Por causa da natureza transnacional do crime organizado, os Estados-membros fizeram um apelo por uma maior cooperação internacional, tal como a assistência legal mútua e a troca de informações para enfrentar as atividades ilícitas e levar os criminosos à justiça. Eles expressaram a necessidade de se fazer um uso mais efetivo da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Transnacional, que foi adotada em Palermo, há uma década. Uma Conferência das Partes da Convenção de Palermo ocorrerá em outubro, em Viena. "Eu faço um apelo a que os Estados-membros entrem em acordo sobre a implementação de um mecanismo de revisão com o intuito de mensurar o progresso realizado e identificar necessidades de assistência".

Um dos assuntos principais do Congresso - que foi refletido na Declaração de Salvador - foi que os Estados-membros devem adaptar seus sistemas de justiça criminal às mudanças ao longo do tempo. Por exemplo, eles pediram que uma revisão dos padrões e normas das Nações Unidas sobre prevenção ao crime e justiça criminal, considerando, se necessário, sua atualização ou suplementação. Eles ressaltaram o uso de novas tecnologias para combater crimes como o cibercrime, a lavagem de dinheiro e o tráfico de pessoas. Também observaram meios de combater novas modalidades de crimes, como os crimes ambientais, a falsa apropriação de identidade, a pirataria digital e o cibercrime. "Esses são crimes difíceis de capturar: eles viajam como bytes, disfarçados como transações lícitas, originados em jurisdições de difícil definição - ainda que, sua complexidade não deva ser impedimento", disse Costa.

Como um avanço importante, os Estados-membros concordaram em explorar meios para uma regulamentação universal contra o cibercrime. "Isso poderia abrir caminho para uma nova convenção sobre o cibercrime", disse Costa.

O congresso dedicou bastante atenção aos grupos vulneráveis, tais como os de crianças e jovens, mulheres, imigrantes e usuários de drogas.

As prisões e direitos dos prisioneiros foram também questões de grande importância. A Declaração de Salvador pediu aos Estados-membros que melhorem as condições das prisões e o tratamento de prisioneiros, busquem alternativas à prisão e reduziam o número de prisioneiros detidos antes de serem julgados.

Como o dinheiro é uma grande motivação para o crime, os Estados-membros procuraram formas de aumentar os riscos e de diminuir os benefícios do crime. A Declaração de Salvador pede aos Estados que implementem a convenção das Nações Unidas contra Corrupção (Convenção de Mérida), combatam a lavagem de dinheiro e o financiamento ao terrorismo e reforcem as medidas para apreender, confiscar e recuperar os ativos do crime.

Os Estados-membros destacaram a necessidade de uma maior assistência técnica no sistema de justiça e solicitaram a experiência e a expertise do UNODC. O Brasil anunciou, de acordo com os artigos 30 e 62 das Convenções de Palermo e de Mérida, que recursos confiscados de atos de lavagem de dinheiro e de outros crimes serão usados para financiar a implementação desses tratados e para apoiar processos de reforma de justiça criminal em países em desenvolvimento, por meio do UNODC, e convidou outros países a seguir o exemplo.

Conhecimento é essencial para políticas baseadas em evidencias. "Ao contrário de outras áreas nas quais as Nações Unidas são a melhor fonte global de informação, não temos definições, dados, nem um marco lógico para reportar as tendências do crime, entender suas causas e medir sua dimensão", disse Costa. Na Declaração de Salvador, os Estados-membros são convidados a reforçar a capacidade do UNODC de "coletar, analisar e disseminar dados precisos, confiáveis e que sejam comparáveis sobre o crime no mundo e sobre as tendências de vitimização". Os Estados-membros também são encorajados a reforçar suas capacidades nacionais de coletar dados.

Ainda que o foco principal do Congresso tenha sido o papel dos Estados, também foi destacado o ponto de que a prevenção ao crime e a justiça criminal não podem ser alcançadas somente pelos, mas devem envolver todos os atores, inclusive o setor privado, a sociedade civil, a imprensa, as instituições de ensino e o público de uma forma geral. "A lei não irá prevalecer a não ser que lancemos esforços massivos para engajar as pessoas comuns e fazer com que a sociedade civil de uma forma geral promova a cultura da justiça.", disse Costa.

Os Estados-membros aceitaram a oferta do Governo do Catar para sediar o 13º Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção ao Crime e Justiça Criminal em 2015.

O próximo evento de destaque das Nações Unidas relacionado ao crime será o da Comissão sobre Prevenção ao Crime e Justiça Criminal, que ocorrerá em Viena, entre os dias 17 e 21 de maio de 2010. O tema principal será como enfrentar o tráfico de propriedade cultural.

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